Anna Garre, Giacomo Sabattini e Luca Lévay são três voluntários do projeto Life Volunteer Escapes que, por alguns meses, trocaram os centros urbanos das capitais europeias pela tranquilidade da Serra do Alvão, em Vila Pouca de Aguiar, em nome da defesa do ambiente.
São sete da manhã e Giacomo Sabattini aproveita os primeiros raios de sol para tomar o café no exterior do albergue de Afonsim, na aldeia onde estão instalados “os voluntários do Alvão”, como carinhosamente são chamados pela comunidade.
O projeto Life Volunteer Escapes e a associação “Plantar Uma Árvore” acolhem, anualmente, dezenas de voluntários, nacionais e estrangeiros, para dinamizar um programa dedicado à promoção e conservação da floresta nativa e espécies vegetais autóctones. Os voluntários não-residentes ficam alojados no albergue de Afonsim, uma acomodação destinada a viajantes, gerida pela autarquia local, onde antigamente funcionou uma escola primária, que lhes permite manter um contacto diário com a comunidade.
A verdade é que a população local, que cabia num prédio de oito andares de uma qualquer capital europeia, não fica indiferente à presença permanente de jovens estrangeiros que, apesar de serem oriundos de realidades completamente opostas, admitem ser muito bem acolhidos. A residir ali perto, o casal José e Isabel já se habituou ao corrupio de jovens estrangeiros, que preparam mais um dia de plantação de árvores autóctones.
Para Giacomo Sabattini, “a adaptação tem sido positiva”. O italiano, de 29 anos, natural de Padova, em Vila Pouca de Aguiar há cerca de um mês, confessa apreciar a tranquilidade da montanha e a cultura local. “Acho que o facto de Portugal e Itália terem idiomas e culturas de origem latina facilita a minha estadia aqui. Já consigo dizer muitas palavras em português e compreendo praticamente tudo. No que diz respeito à gastronomia, ainda não tive oportunidade de provar os principais pratos locais, mas no geral tenho gostado muito”, confessou o voluntário, formado em Economia, que esteve ao longo de três anos a trabalhar na Turquia.
Apesar dos corações bem aquecidos devido à hospitalidade, o frio é o pior inimigo dos três estrangeiros. “No geral, o clima em Vila Pouca de Aguiar não é mau. Mas quando vamos trabalhar para o campo, no inverno, com chuva e frio, torna-se difícil passar o dia. Há dias muito frios por aqui”, admitiu Anna Garre, que trocou a “selva urbana” de Paris pelas rudes penedias do planalto do Alvão, situado a uma altitude de 1200 metros e onde, por vezes, cai neve.
Anna Garre, Giacomo Sabattini e Luca Lévay não mostram qualquer resistência à estadia em Portugal. Apesar da língua portuguesa ainda ser um entrave, isso não os priva de conhecerem os encantos da serra do Alvão e de, diariamente, contactarem com todos os que passam no albergue. Até porque “bom dia” é uma expressão que, acompanhada de um sorriso, dispensa qualquer tradução.
Isto é a Europa. A partilha de conhecimentos e experiências multiculturais e multigeracionais. De outro modo, como poderiam estes jovens, que cresceram entre muralhas de betão, realizar um programa de voluntariado, destinado à preservação de ecossistemas de montanha, numa aldeia encravada nas serranias do norte de Portugal?
Voluntários ajudam na preservação da floresta autóctone
Anna Garre considera-se um bom exemplo de integração. Tem 22 anos e veio diretamente da capital francesa para Vila Pouca de Aguiar. É licenciada em Geografia e decidiu fugir da agitação parisiense antes de tomar uma decisão que pode mudar a sua vida: a escolha de uma área de mestrado.
Luca Lévay, de 24 anos, é natural da Hungria. Viajou de Budapeste depois de ter terminado a sua formação em Biologia. Considera que a experiência na Serra do Alvão, onde diariamente planta árvores nativas, será uma mais valia para a área de formação. “A fauna e flora, aqui no Alvão, é completamente diferente. Trabalhar diretamente no campo permite-me ter outra perspetiva que, estando fechada numa biblioteca a estudar, não poderia ter”, contou a voluntária húngara.
A associação “Plantar Uma Árvore”, apoiada pelo projeto LIFE Volunteer Escapes, financiado por fundos europeus, dinamiza atividades de recuperação de áreas ecologicamente degradadas, através da restituição de bosques nativos e das espécies autóctones, envolvendo a comunidade.
Nos últimos anos, a Serra do Alvão foi severamente castigada pelos incêndios florestais, que destruíram o ecossistema natural. Agora, a associação ambiental, com o apoio destes jovens voluntários, potencia a replantação da floresta autóctone que possuiu uma maior resistência a fogos severos.
Arte de bem receber como linguagem universal
Integração, partilha e entreajuda são três palavras que arrebataram os voluntários desde o primeiro dia. O hábito de “pedir ao vizinho”, um costume tradicional do povo português, é normalmente frequente entre os habitantes de Afonsim. Eles próprios, sem serem solicitados, levam ao albergue aquilo que produzem na horta, ali ao lado.
“Viver numa localidade pequena tem sido uma experiência magnífica. O facto de toda a gente se conhecer e de nos dizerem ‘bom dia’ de uma forma acolhedora, sempre que passam por nós, faz toda a diferença! Nas nossas cidades isso nunca acontece. Aqui, quando precisamos de alguma coisa, os vizinhos dão, sem hesitar, e isso é novo para alguns nós”, confessou Anna.
Apesar de não falarem a mesma língua, a partilha e a gratidão não têm idioma. O húngaro é completamente distante da língua portuguesa, no entanto Luca Lévay já sabe pronunciar “obrigada”, “bom dia” e “até logo”. Para a voluntária, estas expressões são essenciais para o dia a dia em Afonsim.
Para além disso, as duas jovens têm visitado alguns lugares do concelho e da região, devido, precisamente, à “amabilidade do povo português”. “Eu e a Anna temos andado à boleia praticamente para todo o lado. Isto é ótimo para conhecer pessoas e locais novos”, contou Luca.
O tempo de duração do voluntariado no projeto da associação “Plantar Uma Árvore” é de dois meses, no mínimo, e pode estender-se até um ano. Em jeito de previsão, Anna, Giacomo e Luca confessam que o que vai deixar mais saudade é, sem dúvida, as pessoas. Mais do que a preservação da natureza, a cultura e a experiência, aquilo que fica para sempre presente na memória dos três voluntários, são os laços criados com vizinhos e colegas.
Daniela Parente e Filipe Ribeiro
Reportagem publicada na edição nº 265 do jornal Notícias de Aguiar.
Vencedora do Prémio de Jornalismo “Fernando de Sousa” 2021, na categoria de Meio Regional, instituído pela Representação da Comissão Europeia em Portugal