Inserida nas atividades da Semana Santa, uma tradição pascal muito aguardada pelos aguiarenses é o Auto da Paixão que foi encenado ao vivo, no dia 18 de abril e que, devido às condições meteorológicas, foi realizado no Gimnodesportivo Municipal de Vila Pouca de Aguiar. Uma celebração que uniu a comunidade e contou com a participação dos aguiarenses como elenco e ainda com a colaboração da Animódia e da Escola de Teatro Tia Micas, do Orfeão de Terras de Aguiar e da Banda Musical do Pontido, tendo o apoio da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia.
Com um cenário pensado ao pormenor e com uma preparação de pelo menos um mês, incluindo ensaios até ao grande dia, o Auto da Paixão voltou a unir e apaixonar os aguiarenses que muito aplaudiram todos os responsáveis e envolvidos na iniciativa. Se dúvidas houvesse quanto à expectativa e aceitação do público, o facto de o pavilhão ter ficado completo dissipou essa ideia. Recorde-se que em 2019 foi a última vez que o Auto da Paixão foi encenado em Vila Pouca de Aguiar com a participação da comunidade aguiarense, sendo apenas realizada a Via Dolorosa com a participação do Orfeão Terras de Aguiar.
Para a Presidente da Câmara Municipal, Ana Rita Dias, que marcou presença no evento, é essencial seguir esta tradição que “faz parte da união e do espírito de inovação que temos em Vila Pouca de Aguiar”. A ideia, diz a Presidente, é “trazer a comunidade em torno de uma ação comum, sendo de extrema importância para manter o gosto por estarem a fazer atividades que são deles, e da nossa comunidade, e que as vivem como uma tradição”.
“O Auto da Paixão é o evento máximo da altura da Páscoa”
Quanto à união e envolvimento da comunidade, Ana Rita Dias reforça, “as pessoas organizam-se em torno desta ação” uma vez que “a parte dos ensaios já leva as pessoas a saírem de casa, a participarem, a partilharem momentos de alegria, de frustração, de nervosismo, mas depois quando chegam ao palco, tudo funciona e, no final, é isso que conta”.
A autarca concluiu que todo o evento “foi excecional, com todos os grupos envolvidos, desde o Orfeão Terras de Aguiar, a Banda do Pontido, a Animódia, o Teatro Tia Micas, que faz parte do teatro aguiarense, e toda a comunidade e isto é, de facto, o momento alto da comunidade aguiarense na partilha desta atividade”.
O Auto da Paixão encenado ao vivo em Vila Pouca de Aguiar
O Padre António Paulo, Pároco da Paróquia de Vila Pouca de Aguiar desde 2011, começa por contextualizar a realização da encenação ao vivo do Auto da Paixão em Vila Pouca de Aguiar, que conta com três edições. “Para revitalizar e darmos um espírito renovado à Semana Santa, juntamente com algumas pessoas da comunidade, lançámos esta ideia que começou em 2016” contudo, já de palco montado, não foi possível prosseguir devido à chuva que se fez sentir. Segundo o Pároco, em 2017 fez-se o Auto da Paixão na Praça João Paulo II, onde se convidou “o grupo orientado pelo professor Marco Aurélio, que tem uma encenação juntamente com o Orfeão Terras de Aguiar, que é a Paixão de Cristo”. Voltam a retomar em 2019 no Espaço Multifuncional e, este ano, a ideia seria apresentar a peça na Praça João Paulo II, mas a previsão meteorológica fez remeter para o Gimnodesportivo Municipal. Para criar expectativa e não cair em monotonia, a peça é realizada em anos intervalados, disse o Padre Paulo.
“A Páscoa é sempre um tempo muito vivido”
Quanto à afluência a este marco pascal, o Padre Paulo explica que “há muitos emigrantes e mesmo migrantes que, estando noutras partes do país, vêm aqui à terra passar a Páscoa, participar na visita pascal e no compasso”, não esquecendo também a população das aldeias em redor.
A encenação do Auto da Paixão é assim uma forma de “ajudarmos a viver esta espiritualidade da Semana Santa com cultura, porque acaba por envolver as pessoas”, referindo-se a todos os que fazem parte da encenação, assim como as instituições.
Este evento reúne cerca de 180 pessoas com o Padre Paulo a mencionar a ligação entre a “representação simples do povo que sempre foi uma característica dos serões transmontanos que, de alguma forma, está aliada a esta questão religiosa”. Desta forma, remete para o engrandecer e um crescimento da comunidade que acaba por “estabelecer relações entre pessoas que, habitualmente, não estão juntas, mas que com o teatro acabam por criar laços”.
Com o prosseguir da tradição, o Pároco de Vila Pouca de Aguiar refere que “um dia destes, os filhos dos filhos vão dizer ‘o meu avô também representava este papel’ e isto ajuda, porque as pessoas não sentem que seja uma vaidade, mas sim um orgulho fazer parte desta encenação e deste projeto”.
Na pele de Jesus Cristo
Pedro Vasconcelos foi Jesus Cristo na encenação deste ano, mas já leva alguma experiência neste papel. “Já é a terceira vez, a primeira foi em 2017 na Praça João Paulo II, e a segunda foi no Espaço Multifuncional, em 2019”.
Quanto ao peso da figura que interpretou, Pedro Vasconcelos diz ser “sempre uma grande honra desempenhar este papel, uma personagem bíblica, e estamos a falar de Jesus Cristo”. Vai ainda mais além do papel interpretativo, “temos sempre de ensinar alguma coisa, embora possamos dizer que a história é sempre a mesma, mas é uma história que, se lermos, estudarmos e representarmos todos os dias, conseguimos tirar algo de novo, assim como uma motivação para nós”. Sobre o facto de ter havido um interregno nesta encenação ao vivo, Pedro Vasconcelos refere ainda que voltar a fazer esta peça é importante para “os jovens e as crianças terem uma ligação com Cristo, com Deus, com a religião, e são sempre fatores que tentamos transmitir a todos, mas em especial aos mais novos”. A ideia, diz Pedro Vasconcelos, é que “seja algo que tentamos fazer como uma tradição e representar aquilo que foi na altura, o mais fiel possível e, acima de tudo, tentar cativar através da representação e do teatro”.
É um papel que encara com comprometimento, refere Pedro Vasconcelos, mas que também pode ser conotado com a vida pessoal. “Este Auto da Paixão também pode ser algo pessoal, ou seja, ser interpretado por cada um de nós, e o facto de ter esta personagem encarrega outra responsabilidade”.
O ator que interpretou Jesus Cristo admite que dá uma parte de si à personagem e faz um paralelo entre a peça e a vida, uma vez que “o Auto da Paixão começa alegremente, mas vai até à agonia, começa com a chegada de Jesus Cristo e vai até à sua morte e eu penso que isto pode ser quase personificado em nós. Não na nossa vida completa (…) mas se calhar em certas fases da nossa vida ou certas coisas que nos vão acontecendo, porque há coisas que nós começamos com muita alegria e, infelizmente acabamos com alguma agonia, mas não quer dizer que não voltamos a começar outra, até encontrar a alegria plena”.
Sobre a união e companheirismo em torno da peça, Pedro Vasconcelos agradece a todos os “colegas, companheiros e amigos com quem passámos estes últimos dias porque estes tempos têm sido fantásticos”. Em jeito de conclusão, afirma ainda que “é bom sentirmos que conseguimos passar a mensagem que, no fundo, é algo motivacional para todos”.
Na pele de Maria
Ângela Rodrigues, que faz parte da Escola de Teatro Tia Micas, promovida pela Animódia, interpretou Maria no Auto da Paixão. Começou por admitir que ao atuar neste papel “não é fácil de explicar aquilo que se sente porque, se pensarmos bem, não há ninguém que consiga representar o que foi Maria”. Após uma breve reflexão, acaba por dizer que se sentiu “grande por ter o privilégio de ter sido escolhida para fazer um papel grande”, afirmando que deu o seu melhor. Quanto à união que se cria na preparação de uma encenação, Ângela Rodrigues confessa que vai ter saudades porque “no final do primeiro ensaio, nós já somos uma família” e deixa o repto, “espero que possamos repetir mais vezes”.
Por trás de um grande espetáculo, um grande encenador
José Miguel Carvalho é o Diretor da Animódia, a companhia de teatro e artes performativas e produtora de espetáculos culturais sedeada em Vila Pouca de Aguiar, e foi o responsável pela encenação do Auto da Paixão deste ano. Desafiado pelo Padre Paulo, estrearam-se na encenação da peça, na qual sentiram “muita motivação porque um dos objetivos da Animódia é também este trabalho com a comunidade” onde há a “cocriação entre artistas e comunidade e, neste apeto, é um projeto aliciante”.
O encenador afirma que a ligação com a comunidade esteve muito presente referindo “a envolvência das pessoas” uma vez que sempre se mantiveram motivadas e estiveram nos vários ensaios em horários nem sempre fáceis, mas no final de contas, garante que “é muito gratificante ver as pessoas envolvidas”.
Apesar de os ensaios terem iniciado duas semanas antes da estreia da peça, José Miguel Carvalho relembra que “houve um trabalho anterior de pesquisa, procura pelo elenco e definição das personagens” pelo que a preparação do Auto da Paixão iniciou pelo menos um mês antes da apresentação. Também o cenário e toda a logística são referidos dada a quantidade de pessoas e entidades envolvidas, mencionando ainda o apoio de toda a equipa técnica que o tornou possível.
Quanto à escolha do elenco, José Miguel Carvalho explica que, com o apoio do Padre Paulo, “há determinadas personagens que tiveram de ser escolhidas porque têm ação e mais falas e nem toda a gente está à vontade com o texto, por exemplo”.
Casa cheia
Apesar de nos anos anteriores se ter assistido ao Auto da Paixão em espaços exteriores, este ano, “devido ao tempo que não permitia fazer ao ar livre” a atividade foi encenada no Gimnodesportivo Municipal. Na opinião de Ana Rita Dias, esta alteração foi uma boa aposta pois “é um espaço em que as pessoas ficam mais confortáveis, toda a gente consegue ver o espetáculo”, o que permite também trazer mais associações para enriquecer o evento. No final de contas, diz a Presidente, “é isto que nós queremos, que a comunidade toda sinta esta atividade e este espaço como seu”.
Domingo de Ramos
Ainda no decorrer da Semana Santa, no dia 13 de abril o Domingo de Ramos também teve bastante afluência por parte dos aguiarenses que se juntaram em frente à Capela do Senhor, onde o Padre Paulo realizou a Bênção de Ramos. Após este momento simbólico, o cortejo seguiu até à igreja matriz que contou com a participação do grupo coral e dos escuteiros, seguindo-se a Eucaristia Dominical. Deste programa fazia parte a atividade “Caça aos Ovos” que foi adiada para o dia 26 de abril, devido ao mau tempo.
Fotos: CM VPA



